Navio Negreiro

Navio Negreiro

A mera ideia de que o Brasil é uma democracia racial, cai por terra quando pensamos na população carcerária, na paleta de cores da periferia e, principalmente, no passado do Brasil — colônia e império. Ainda assim, as pessoas abastadas deste país gostam de falar de mérito, de ler livro com palavrões e de olhar no olho um do outro e dizer que “o que importa é o que você sabe e não a cor da sua pele, seu gênero ou de onde você veio”.

Até uma formação fora da “Ivy League cabocla” já é vista com olhos torcidos.

Castro Alves falou sobre isso. Troque os navios negreiros pelas fábricas clandestinas, troque africanos por qualquer imigrante ou emigfrante. Troque traficantes de escravos por empresários de terceirização. O Brasil de Castro Alves ainda existe, sobrevive nas cabeças de uma elite infecunda, incapaz e burra, acima de tudo, burra.

No ano de 1585, na Bahia, o número de africanos era estimado entre três a quatro mil. Em 1714, a cada vinte e uma pessoas, aproximadamente vinte eram negras. Em 1807, o número de negros era igual ao de brancos e mestiços reunidos. Quase todos, contudo, eram escravos, trazidos para os trabalhos severos da plantação. A princípio, os portugueses tentaram escravizar os índios, que não se adaptavam à condição tanto quanto era o esperado pelos colonizadores. Portugal, desde 1433, já fazia tráfico de escravos; a proximidade da costa ocidental africana facilitava essa prática desumana. Guiné, Ilha de São Tomé, Congo, Angola e Moçambique eram os mercados mais procurados. E isso durou por mais de 400 anos, com seu auge nos séculos XVIII e XIX, devido à procura de mão de obra para a mineração em geral e o desenvolvimento da lavoura de cana-de-açúcar e café. Com isso, milhões de escravos africanos chegaram ao Brasil. Em 1781, havia cinquenta navios negreiros — em 1800, só para a Bahia eram empregados vinte. Ainda que muitos morressem durante a viagem, um escravo negro era lucrativo: em Pernambuco, por exemplo, no começo do século XIX, cada indivíduo era avaliado em 32 libras esterlinas (um boi valia 31 libras, para nível de comparação).
Depois de um tratado entre a Grã-Bretanha e o Brasil ter sido assinado, em 1831, que deveria abolir o mercado escravagista, ainda foram trazidos quase meio milhão de africanos para terras brasileiras. Os fazendeiros não queriam perder a mão de obra, e os brancos consideravam humilhante o trabalho da terra, sendo comum o ditado “Trabalho é para negro e cachorros”.

Essa introdução é exatamente a realidade do capitalismo desde sempre. Com maquiagens nos países centrais e com ONG’s nos países periféricos. A nossa doença mental diária tem nome.

E ri-se a orquestra irônica, estridente …
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais …
Qual um sonho dantesco as sombras voam! …
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás! …

(…)

Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d’amplidão!
Hoje… o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar…
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar…

Ontem plena liberdade,
A vontade por poder…
Hoje… cúm’lo de maldade,
Nem são livres p’ra morrer…
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute… Irrisão!…